Universidade Estadual possui projetos de pesquisa em áreas sociais e ambientais em Barra de Mamanguape

27 de março de 2024

Saiba mais sobre alguns projetos nesta segunda parte da reportagem sobre a Base da UEPB em Barra de Mamanguape.

Confira a primeira parte aqui.

Ecologia dos peixes
O professor André Pessanha também esteve envolvido nas ações que levaram à cessão do espaço da ICMBio à UEPB. Comentou que ele e o PPGEC desenvolvem projetos na área, trabalhando a questão da fauna, do conhecimento popular e dos pescadores da região, sempre com o foco tanta na ecologia como na conservação. Toda a sua formação acadêmica é na área de ecologia de peixes e possui projetos na Barra de Mamanguape desde 2010.

O docente já orientou mais de 10 dissertações de mestrado desenvolvidas no estuário da Barra de Mamanguape. “Nosso objetivo primordial é entender a utilização deste estuário pelos peixes. E como isso vem mudando ao longo do tempo, associado muitas vezes com mudanças climáticas”, explicou o professor André. Estuário pode ser definido como embocadura larga de um rio, sensível aos efeitos das marés e braço de mar que se forma pela desembocadura de um rio. É o que podemos ver na Barra, o encontro do rio com o mar.

O pesquisador dá mais detalhes da área. “Como o Mamanguape é um rio intermitente, sua parte superior seca. Se há seca lá em cima, obviamente vai chegar pouca água aqui dentro. Então o mar consegue entrar muito mais. Como as mudanças climáticas estão afetando diretamente a quantidade das chuvas, obviamente isso afeta os peixes. Já temos observado isso, houve diminuição na quantidade de alguns grupos de peixes. Há determinados grupos que já não aparecem tanto como antes”, relatou.

André Pessanha explicou que seus estudos também envolvem pesquisar a utilização do ambiente pelos peixes, como e quando estão se alimentando, por exemplo. Observando sempre grandes quantidades, tentando entender o todo, segundo ele. No estuário, podem ser encontradas mais de 100 espécies de peixes. “Pode parecer pouco, mas isso é muita coisa”, pontuou. Na área, podem ser vistas espécies comercialmente importantes, como tainha, sardinha, peixe-espada. Além dos peixes, o marisco e o caranguejo são recursos importantes para a comunidade de Barra de Mamanguape.

As pesquisas realizadas por este e outros grupos geram uma série de subsídios que podem ser usados para construção e gestão de políticas públicas. O docente dá o exemplo do seu colega, o professor José da Silva Mourão, do Departamento de Biologia, do Câmpus I, pioneiro da Instituição em pesquisas na Barra de Mamanguape. “O professor Mourão e outros pesquisadores conseguiram mudar o período de defeso do caranguejo. Eles observaram que havia um período que não era coberto e conseguiram ampliar a marca”, disse.

Peixe anequim
O peixe de nome anequim, ou “niquim”, como é mais conhecido, é um peixe marinho, que possui um corpo mole e cabeça achatada, olhos pequenos e espinhos venenosos na testa. O projeto, liderado pela professora Karla Luna, estuda o peixe e como este afeta a comunidade de pescadores e marisqueiras da Barra de Mamanguape. Segundo a docente, ele é peçonhento e encontrado em toda a costa do brasileira, mas também em alguns locais da América do Sul.

“Nosso projeto tem duas fases. A primeira já foi completada, que é a fase de entendimento das representações que a comunidade daqui tem em relação a esse peixe. Esse peixe causa acidentes. E esses acidentes não tem tratamento específico disponível no Brasil. As pessoas que são acometidas sentem no mínimo 24 horas de dor. E essa dor não passa. Pode perdurar dias e até semanas, deixando algumas pessoas com sequelas. O projeto diz respeito justamente a entender a relação que a comunidade tem com esse agravo à saúde, que é um agravo tão importante”, explicou a professora Karla.

A docente contou que ao começar a trabalhar no local e ouvir a comunidade, o grupo conseguiu identificar um outro agravo à saúde pública, que é o escorpianismo. A partir disso, começaram a trabalhar a sensibilização da comunidade em relação a esses animais, sua importância ecológica e como proceder em caso de picada e envenenamento.

A partir do mês de maio, o grupo começa a segunda fase da pesquisa, em relação à peçonha do peixe, que é bastante tóxica. “Como esse peixe está distribuído principalmente no litoral do Brasil, as comunidades mais afetadas são de pescadores e marisqueiras, que é a comunidade que forma a Barra de Mamanguape. Então a gente quer entender essa peçonha para, quem sabe, dentro do laboratório, a gente consiga pesquisar alguns extratos vegetais que possam contribuir para diminuir as consequências e sequelas desse envenenamento”, afirmou Karla Luna.

Segundo a professora, em relação ao material da pesquisa já coletado o que se sobressai é o relato da dor causada pelo acidente. “E isso soa extremamente significativo porque a gente sabe que não tem um tratamento específico para essa dor. No nosso trabalho, chama muito a atenção a questão do social nessa primeira fase. Diz respeito justamente a tentar entender como essa dor se manifesta no humano, mas não somente a dor fisiológica, também a dor de estar com sequela, a dor de se parar de trabalhar, de parar com o marisco, parar com a sua pescaria, por ter sido envenenado realizando esse trabalho”, relatou.

“É uma população em vulnerabilidade e a gente não pode dizer sequer que os acidentes são raros, porque não há uma estatística, um estudo epidemiológico em relação a isso. É extremamente negligenciado dentro das doenças já negligenciadas no país. Porque acomete uma população extremamente vulnerável. São pretos, pobres, pescadores e marisqueiras”, relata a pesquisadora, acrescentando que, muitas vezes, o poder público falha com essa população.

Mell Shirley Laurindo Torres, estudante de Biologia do Câmpus I, bolsista de Iniciação Científica e integrante da pesquisa, afirmou que sua vivência no projeto tem sido incrível. “Entrei no projeto pensando mais no potencial da peçonha, nos extratos vegetais e em desenvolver algo em laboratório. Mas, chegando aqui, quando vimos esse agravo social com a convivência com a população, esta parte tornou-se mais interessante. Para mim, está sendo melhor desenvolver esse lado, por enquanto. Tem essa invisibilidade, tem essa problemática daqui e espero que a gente consiga mudar um pouquinho disso através do projeto e das publicações”, relatou.

O grupo conta que será a primeira vez que esse tipo de agravo vai ser relatado na literatura com essas representações sociais. “A gente está trabalhando com profundidade para entender as duas coisas: como a comunidade se comporta diante do agravo e depois entender molecularmente o que produz esse agravo, que é a peçonha”, resumiu a professora Karla. As participantes deixaram claro que o peixe anequim não ataca pessoas. Geralmente, ele fica em águas rasas, embaixo da areia e as pessoas podem pisar nele sem perceber. A peçonha é uma forma defensiva deste peixe, não predatória.

Fatores psicossociais
“O enfrentamento dos desafios cotidianos em pescadores e marisqueiras” é o nome do projeto liderado pela professora Sibelle Barros. O trabalho tem como objetivo investigar as estratégias de enfrentamento de marisqueiras e pescadores de Barra de Mamanguape frente aos estressores cotidianos. A professora Sibelle explicou que o projeto parte do pressuposto que os fatores ambientais, sociais e econômicos interferem na saúde e na vida do sujeito e da comunidade. Ao longo da pesquisa, observou-se também os desdobramentos, as consequências desses estressores na vida das pessoas, que foram adoecimento e sofrimento.

Dentre os dados coletados até agora, a docente relata alguns dos principais estressores, como: preocupação com a comunidade, baixa renda, rede de apoio insuficiente, dificuldades no acesso aos serviços de saúde e conflitos familiares. A preocupação com a comunidade diz respeito à percepção de que muitas pessoas “de fora”, como novos moradores ou empreendedores, não têm a mesma relação de cuidado com o meio ambiente e com a comunidade, não trazendo benefícios para os moradores. “É como se viessem para a comunidade para usar essa comunidade. Isso tem afetado a população. “E se muitas pessoas vierem para cá, o que vai ser de Barra no futuro? A gente tá falando também de uma questão que envolve identidade social”, explicou a professora Sibelle.

A falta de acesso a alguns serviços de saúde está entre as principais queixas da comunidade. “Existe a vulnerabilidade em saúde, eles ficam vulneráveis e descobertos”, relatou a pesquisadora. Ao se deparar com esta realidade, a professora Sibelle cogita a possibilidade da população ser atendida pela Clínica de Psicologia da UEPB, de forma on-line.

Comunidade
Marinalva de Brito Batista nasceu e se criou em Barra de Mamanguape. Atualmente, ela é funcionária da Base da UEPB, mas também é marisqueira e dona de tapiocaria. Suas receitas tornaram-se famosas por aparecer em programas televisivos locais e até nacionais, como o “Mais Você”, de Ana Maria Braga.

Sendo alguém da comunidade local, ela confirma a mudança pela qual passou Barra nos últimos anos, especialmente em relação ao turismo, uma vez que, antigamente, a principal forma de trabalho era a pesca. Porém, ela vê o lado positivo do turismo, tendo gerado mais oportunidade de emprego para várias pessoas, em relação a passeios, culinária, artesanato, entre outros.

Para Marinalva, ter uma base na UEPB na Barra tem sido muito bom e a troca com a comunidade também foi proveitosa. “Não é só porque eu trabalho aqui. Mas a universidade traz cursos, profissionais, traz várias coisas boas”, disse. Mas sua reclamação principal é a falta de acesso da comunidade a profissionais e serviços de saúde.

Seu marido, Arlindo Figueiredo, é pescador e também está muito envolvido com as atividades da Universidade. Ele muitas vezes acompanha os estudos e as observações de barco que pesquisadores e estudantes da UEPB fazem, incluindo o professor André. “Arlindo sabe mais sobre algumas coisas que alguns alunos de doutorado. Ele sabe do nível de sal do rio sem precisar de equipamento, ele conhece nomes e espécies de peixes que muitos de nós não conhecemos. É o conhecimento empírico, é o saber da comunidade. Isso é fundamental”, comentou o professor André Pessanha.

Turismo e meio-ambiente
Cada vez mais, nos últimos anos, Barra começou a ser frequentada por turistas. Em conversas dos professores, é comum o comentário sobre o que a comunidade pode se transformar se o turismo se tornar predatório. E é uma preocupação da própria comunidade.

O local é belíssimo e é bom que seja visto, porém, é preciso cuidado individual e também institucional e governamental. Notamos que mesmo em locais onde quem está de fora enxerga somente o lazer, há pessoas que ali têm raízes e, como qualquer outra, pode sofrer de males e têm necessidades como qualquer cidadão. A Base da UEPB em Barra de Mamanguape é uma via de mão dupla onde todos parecem sair ganhando: universidade e comunidade. É mais um exemplo do tripé que move a universidade: ensino, pesquisa e extensão.

Texto e fotos: Juliana Rosas